Não é novidade para ninguém que a observação do
mundo natural traz inspiração para nossas vidas. Exemplo disso é o conhecido caso
de cooperação entre formigas, o qual nos traz o altruísmo como inspiração.
Esses pequenos insetos dividem suas tarefas, ensinam o trabalho aos mais jovens
e, ainda, quando um indivíduo está contaminado por algum patógeno, esse evita
contato direto com os outros indivíduos do formigueiro (Não é um belo
exemplo?!). Mas, as formigas não são os únicos insetos a nos darem inspiração
para este período de propagação do Covid-19. Há também os besouros!
Especialmente nas últimas décadas, diversos
cientistas, incluindo brasileiros, descreveram que algumas espécies de besouros
se alimentam no interior das sementes de leguminosas. Esses besouros são
chamados cientificamente de Bruchinae.
A partir de observações e experimentos em campo e
em laboratório os pesquisadores mostraram que em muitas vezes as fêmeas desses
besouros botam seus ovos nas vagens das plantas. Ao eclodirem, as larvas perfuram
a vagem e, em seguida, penetram as sementes, dentro das quais se desenvolvem
comendo o endosperma. Para muitas espécies desses besouros as larvas passam
todo o seu desenvolvimento dentro de uma única semente, o que mostra o quanto
esses insetos são capazes de aproveitar ao máximo seu recurso alimentar.
Afinal, muitas sementes possuem poucos centímetros (p.ex. 4 cm) e pouca massa
(p.ex. 0.03 mg em Mimosa no Cerrado),
o que justifica explorar ao máximo! Além disso, as larvas, de corpos moles e
vulneráveis a patógenos, ressecamento (especialmente em áreas abertas aqui do
Cerrado, onde o sol é intenso) e predadores, têm dentro de suas
"casas" (digo, sementes!) proteção. Lá dentro as larvas comem,
crescem, defecam. Isso pode durar mais de 40 dias, sem nenhum contato. Cada uma
na sua "casinha"!
Depois do "isolamento social", quando então se tornam adultos, mais
resistentes e preparados para o "mundo exterior", esses besouros saem
das sementes e vão se alimentar de pólen e néctar das flores. Enfim, esses
besouros, já maduros, se encontram e é quando ocorrem as interações sociais
(incluindo a reprodução).
Independente
de sua opinião a respeito dos insetos, é evidente que a história natural deles nos
remete a reflexões sobre nossas próprias atitudes. Algumas dessas reflexões são
mais relevantes em momentos de pandemia: será que em tempos de maior
vulnerabilidade não vale a pena permanecer dentro de casa, como fazem os
besouros? Será que é necessário estocar muito recurso alimentar e deixar que os
outros fiquem sem? Ou fazer como os besouros que aproveitam ao máximo o seu
recurso alimentar, sem desperdício, e, assim, deixam também recurso disponível
para outros indivíduos? Sejam quais forem as suas respostas, a existência de
besouros na Terra é datada em mais de 250 milhões de anos. E se você acredita
nos ditados populares que dizem ser melhor "ouvir" os mais velhos,
estão aí os besouros para nos dar exemplos!
Mais detalhes sobre esses
besouros em: Sousa-Lopes, Alves-da-Silva, Ribeiro-Costa & Del-Claro. Temporal distribution, seed damage
and notes on the natural history of Acanthoscelides
quadridentatus and Acanthoscelides
winderi (Coleoptera: Chrysomelidae: Bruchinae)
on their host plant, Mimosa setosa
var. paludosa (Fabaceae), in the Brazilian Cerrado. Journal of Natural History,
53(9-10):611–623,
2019.
Ribeiro-Costa & Almeida. Seed-Chewing
Beetles (Coleoptera: Chrysomelidae, Bruchinae), 2012.