segunda-feira, 23 de março de 2020

Besouros como inspiração em tempos de pandemia

Não é novidade para ninguém que a observação do mundo natural traz inspiração para nossas vidas. Exemplo disso é o conhecido caso de cooperação entre formigas, o qual nos traz o altruísmo como inspiração. Esses pequenos insetos dividem suas tarefas, ensinam o trabalho aos mais jovens e, ainda, quando um indivíduo está contaminado por algum patógeno, esse evita contato direto com os outros indivíduos do formigueiro (Não é um belo exemplo?!). Mas, as formigas não são os únicos insetos a nos darem inspiração para este período de propagação do Covid-19. Há também os besouros!
Especialmente nas últimas décadas, diversos cientistas, incluindo brasileiros, descreveram que algumas espécies de besouros se alimentam no interior das sementes de leguminosas. Esses besouros são chamados cientificamente de Bruchinae.
A partir de observações e experimentos em campo e em laboratório os pesquisadores mostraram que em muitas vezes as fêmeas desses besouros botam seus ovos nas vagens das plantas. Ao eclodirem, as larvas perfuram a vagem e, em seguida, penetram as sementes, dentro das quais se desenvolvem comendo o endosperma. Para muitas espécies desses besouros as larvas passam todo o seu desenvolvimento dentro de uma única semente, o que mostra o quanto esses insetos são capazes de aproveitar ao máximo seu recurso alimentar. Afinal, muitas sementes possuem poucos centímetros (p.ex. 4 cm) e pouca massa (p.ex. 0.03 mg em Mimosa no Cerrado), o que justifica explorar ao máximo! Além disso, as larvas, de corpos moles e vulneráveis a patógenos, ressecamento (especialmente em áreas abertas aqui do Cerrado, onde o sol é intenso) e predadores, têm dentro de suas "casas" (digo, sementes!) proteção. Lá dentro as larvas comem, crescem, defecam. Isso pode durar mais de 40 dias, sem nenhum contato. Cada uma na sua "casinha"!
Depois do "isolamento social", quando então se tornam adultos, mais resistentes e preparados para o "mundo exterior", esses besouros saem das sementes e vão se alimentar de pólen e néctar das flores. Enfim, esses besouros, já maduros, se encontram e é quando ocorrem as interações sociais (incluindo a reprodução).
Independente de sua opinião a respeito dos insetos, é evidente que a história natural deles nos remete a reflexões sobre nossas próprias atitudes. Algumas dessas reflexões são mais relevantes em momentos de pandemia: será que em tempos de maior vulnerabilidade não vale a pena permanecer dentro de casa, como fazem os besouros? Será que é necessário estocar muito recurso alimentar e deixar que os outros fiquem sem? Ou fazer como os besouros que aproveitam ao máximo o seu recurso alimentar, sem desperdício, e, assim, deixam também recurso disponível para outros indivíduos? Sejam quais forem as suas respostas, a existência de besouros na Terra é datada em mais de 250 milhões de anos. E se você acredita nos ditados populares que dizem ser melhor "ouvir" os mais velhos, estão aí os besouros para nos dar exemplos!
Mais detalhes sobre esses besouros em: Sousa-Lopes, Alves-da-Silva, Ribeiro-Costa & Del-Claro. Temporal distribution, seed damage and notes on the natural history of Acanthoscelides quadridentatus and Acanthoscelides winderi (Coleoptera: Chrysomelidae: Bruchinae) on their host plant, Mimosa setosa var. paludosa (Fabaceae), in the Brazilian Cerrado. Journal of Natural History, 53(9-10):611–623, 2019.

Ribeiro-Costa & Almeida. Seed-Chewing Beetles (Coleoptera: Chrysomelidae, Bruchinae), 2012.




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